segunda-feira, 25 de abril de 2011

As flores que deixei no chão

As flores que deixei no chão,
as que não colhi para você,
hoje trago todas de volta,
para que elas cresçam para sempre,
não em poemas ou em mármore,
mas onde elas caiam e apodreçam.

E os navios em seus notáveis acasos,
imensos e perecíveis como os heróis,
navios que não seria capaz de comandar,
hoje eu os trago de volta
para que eles naveguem para sempre,
não em miniaturas ou em canções,
mas onde eles se ponham à pique e afundem.

E o menino em cujo os ombros eu me pus,
de quem o tempo eu purguei
com disciplina majestosa e pública,
hoje eu o trago de volta
para enfraquecer para sempre,
não em confissões ou em biografias,
mas onde ele floresça,
crescendo furtivo e cabeludo.

Não é malícia o que me conduz,
o que me leva a renunciar, a trair:
é exautão, eu tendo a te exaurir.
Ouro, marfim, carne, amor, Deus, sangue, lua-
Sou um especialista nesse catálogo.

Meu corpo que já conheceu tão bem a glória,
agora é um museu:
essa parte reconheço por causa de uma boca,
essa outra por causa de uma mão,
essa por umidade, essa por calor.

Quem pode possuir o que não criou?

Estou tão alheio à tua beleza
quanto a crinas de cavalo e cachoeiras.
Esse é meu último catálogo.
Eu já respiro o irrespirável
Eu te amo, eu te amo-
e deixo você avançar para sempre.

Leonard Cohen
(tradução: Fernando Koproski)