quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Quinta elegia

Não, não mais buscar: que seja esta voz da madurez,

a essência do teu grito. Gritaste, em verdade,

com a pureza de um pássaro, quando erguido pela estação

que ascende, quase esquece que é um ser desamparado,

coração solitário lançado às alturas, na intimidade

do céu.



(...)



Depois, os degraus do vôo, os degraus – apelo,

até o templo sonhado do futuro- e então os murmúrios,

as fontes que em seu jato impetuoso antecipam a queda,

num jogo promissor... E diante de si, o verão!



Não somente as manhãs de estio, não só a sua

metamorfose em dias que se fazem ternos junto às flores

e no alto, junto às árvores, fortes, poderosos.

Não só o ardor das forças desencadeadas,

não só os caminhos, não só os campos nas tardes,

não só a luz que respira após as tormentas tardias.

Não só a proximidade do sono e um pressentimento

ao crepúsculo... mas as noites! As grandes noites

de verão, e as estrelas, as estrelas da terra!



(...)



Em parte alguma, bem-amada, o mundo existirá, senão

interiormente. Nossa vida transcorre na metamorfose:

sempre decrescendo, o exterior desaparece. (...)

O espírito do tempo cria depósitos imensos de

poder, ele que é informe, como o tenso impulso

que rouba às coisas, logo abandonadas. E esquece

os templos. Mas a prodigalidade de nosso coração

é o mais secreto poupar.



(...)





segunda-feira, 8 de agosto de 2011

A Ilha



(Mar do Norte)



I-



A maré cobrirá estrada e areia

e tudo há de ficar equivalente,

mas a pequena ilha, indiferente,

fecha os olhos; um dique, além, rodeia



seus habitantes; o sono que os gera

em muitos mundos confundiu a espera

calada: sua fala é muito rara;

cada sentença é um epitáfio para



algo que o mar lavrou na praia, alheio,

que chega e fica sem explicação.

E assim é tudo que lhes cai no olhar,



desde a infância: são coisas de outro meio,

grandes demais, sem uso, sem lugar,

que só aumentam sua solidão.







II-

Como numa cratera circular

de lua: as fazendas, cada qual

cercada por um dique, par a par;

como órfãos, penteadas por igual



pelo tufão que as trata com dureza

e mostra-lhes a morte todo o dia.

Então, alguém senta-se em casa e espia

em espelhos oblíquos o que à mesa,



raro, restou. Um jovem da família

abre a porta, ao crepúsculo, e dedilha

o harmônio, como um choro, suavemente;



ele ouvira a canção num porto estranho -,

Lá fora, sobre o dique, do rebanho

das nuvens, uma infla-se, iminente.







III-



Só o que é interno é perto; o mais, distante.

E esse interno é tão denso e a cada instante

mais denso ainda. Impossível descrevê-la.

A ilha é como uma pequena estrela



que o espaço esqueceu e, muda, so

-me em seu inconsciente horror de astro,

de modo que, sem luz, sem deixar rastro,





como ainda a buscar metas extremas,

obscura, em sua auto-inventada via,

prossegue, em rumo cego, à revelia

dos planetas, dos sóis e dos sistemas.







Rainer Maria Rilke (Novos Poemas)

belíssima tradução : Augusto de Campos