domingo, 25 de julho de 2010

PARTE IV- O NOVO VINHO

CAP. 9- A MORTE DE DEUS

VI- Em direção a novas mitologias

1- O aspecto místico- metafísico

A primeira função de uma mitologia viva, a função propriamente religiosa, seguindo a definição de Rudolf Otto em O Sagrado, é despertar e manter no indivíduo uma experiência de espanto , humildade e respeito em reconhecimento daquele mistério último que transcende nomes e formas, “do qual”, conforme lemos nos Upanixades, “as palavras retornam junto com a mente sem ter alcançado o seu objetivo”. Eu diria que no mundo moderno, pelo menos fora das sinagogas e das igrejas, essa humildade foi recuperada; pois toda alegação de autoridade do Livro sobre o qual se basearam o orgulho racial, o orgulho comunitário, a ilusão de um dom singular, um privilégio especial e um favor divino foi destruída.

(...)

A fé nas Escrituras da Idade Média, a fé na razão do Iluminismo, a fé na ciência do filisteu moderno, pertencem hoje igualmente, apenas aqueles que ainda não fazem nenhuma idéia de quão misterioso, na realidade, é o próprio mistério do si mesmo.

“ Tudo é o mundo inteiro como a vontade à sua própria maneira.” (Schopenhauer)

(...)

Pois esse, na verdade, é o discernimento básico de todo discurso metafísico – cognoscível apenas a cada um - só quando os nomes e as formas , as Máscaras de Deus se dissolvem.

(...)

Quem, então, poderá falar a ti ou a mim do ser ou não ser de “Deus”, a não ser implicitamente para apontar algo que está além de suas palavras de si mesmo e de tudo o que ele sabe e pode dizer.

(...)

2- O aspecto cosmológico

Alguns diriam que o demônio vencera e que Fausto, preso nas garras de Satã, estava agora preparado para o extermínio por meio de sua própria ciência . Entretanto, ao que concerne ao AQUI E AGORA, (e meus amigos, continuamos aqui), a primeira função de uma mitologia , como vimos (...) – foi magistralmente cumprida por todas essas ciências da segunda função : a expressão de uma cosmologia, uma imagem desse universo estarrecedor, seja ele considerado em seu aspecto temporal, espacial, físico ou biológico. Não há mais, em nenhum lugar, qualquer certeza , qualquer rochedo sólido de autoridade, no qual os que temem enfrentar sozinhos o absolutamente desconhecido podem se acomodar, seguros no conhecimento de que eles e seus vizinhos estão em posse, de uma vez para sempre, da Verdade Encontrada.

4- A esfera psicológica

E assim somos inevitavelmente levados para a quarta esfera, a quarta função de uma mitologia, propriamente dita : a centralização e a harmonização do indivíduo.

(...)

Porque o homem, cada indivíduo entre nós, possui sua própria alma e por sua vez, terá que viver ou perecer por ela - não há caminho pelo qual as Utopias – ou o próprio Paraíso Perdido- possam ser trazidas do futuro e presenteadas ao homem. Tampouco podemos avançar em direção a tal destino.

Como no mundo do tempo, cada homem vive apenas uma vida, é nele mesmo que tem que procurar o Segredo do Jardim.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

PARTE II - A TERRA DESOLADA

Cap. VI- O Equilíbrio

I- Honra versus Amor


Na realização do seu desejo, o amante radical renuncia corajosamente ao mundo com seus valores de honra, justiça, lealdade, prudência. Para o cavaleiro e a sua dama do mundo , entretanto, a finalidade mística de pleno êxtase não é – e nunca foi – o ideal de uma vida nobre; e na França dos séculos XII e XIII nem sequer se aproximava do ideal de amor cortês.

Como assinalou uma das críticas mais argutas dessa literatura, Madame Myrrha Lot-Barodine : “Não foram os trovadores franceses que conceberam esse tipo de paixão ardente, cega e absoluta. A rajada de desordem que exala nos poemas de Tristão , dificilmente sugere a fragrância suave do delicado perfume da cortesia francesa, “


Assim sendo, parece mais do que apropriado voltar a olhar para a antiga lenda irlandesa da “marca do amor” de Diarmuid O´Duibhne. Porque é nela que aparecem os primeiros vestígios da fonte, não apenas da magia do amor e dos temas florestais, como também do ferimento causado pelo javali na coxa de Tristão e, portanto, de sua relação com o deus morto pelo javali e o rei-herói do antigo complexo megalítico do deus –porco: o filho, o consorte e amante, eternamente morrendo e ressuscitando, da rainha-deusa do Universo- Damuzi- Osíris- Adônis.

(...)

III- Ironia Erótica

Até aqui, muito bem; lemos e escutamos : o artista sempre se compadece um pouco de si mesmo, tem experiências dolorosas e responde com a seta da palavra, bem elaborada, bem dirigida. Porém, com que finalidade? Para matar?
O autor tem mais a dizer:

O intelectual, o homem de espírito tem a alternativa de trabalhar a partir do irônico ou do radical. (...) Decorre de qual das alegações pareça-lhe a definitiva, absoluta e decisiva : a da Vida ou a do Espírito (como Verdade). Para o radical , a Vida não é o argumento prioritário. Assim falam todas as formas de radicalismo (pereat mundus et vita!). Ao contrário, a fórmula da ironia diz : “É a Verdade prioritária - quando a questão é a Vida? “O radicalismo é niilismo. A disposição irônica é conservadora. Entretanto o conservadorismo só é irônico quando não representa a voz da vida falando por si mesma, porém a voz do espírito falando pela vida.

Aqui é Eros que se apresenta, o amor definido como “a afirmação de um indivíduo, independente de seu valor”. Ora, essa não é uma afirmação muito espiritual nem muito moral e, de fato, a afirmação da vida pelo espírito também é pouco moral. É irônica. Eros sempre foi irônico. A ironia é erótica.

E é isso que torna a arte tão digna de nosso amor e merecedora de nossa prática, essa maravilhosa contradição, que é- ou, ao menos, pode ser- simultaneamente um repouso e uma crítica, uma celebração e uma recompensa da vida por sua gratificante imitação e, ao mesmo tempo, uma aniquilação moralmente crítica da vida cujo efeito é o despertar do prazer e da consciência no mesmo grau (...) que seja ao mesmo tempo conservadora e radical; isto é, de seu lugar mediato e mediador entre o espírito e a vida. Que é a fonte de onde nasce a própria ironia.
(Thomas Mann)


VIII- A ferida de Amfortas

Nas palavras do grande orientalista, o Professor Hans Heinrich Schaeder (1896-1957):
“(...) O exercício do poder é regido sempre pela lei da intensificação, pela ganância desmedida. Não tem moderação; a medida somente chega do exterior, de forças contrárias que o restringem . A história é , portanto, a interação do poder- seu estabelecimento, sustentação e desenvolvimento-, de um lado , e essas forças opostas, de outro. Estas receberam nomes distintos, sendo o mais simples e inclusivo : amor.

A Terra Desolada, podemos dizer então, é qualquer mundo em que a Força e não o Amor , a doutrinação e não a educação, a autoridade e não a experiência, prevalecem na organização das vidas, e onde os mitos e ritos observados e aceitos não guardam, portanto, nenhuma relação com as verdadeiras experiências, necessidades e potencialidades interiores daquele que os aceitam."