Lázaro, porque me olhas tanto ? Porque és belo (...) Ele me segura pelos ombros: meu irmão... meu querido irmão... e me acaricia a fronte, os cabelos, a boca. Depois me abraça. Aturdido, beijo-lhe a face, os ombros, o peito. Até quando posso ficar contigo? Sempre ficarás comigo, Lázaro, porque crês em mim. Sim, mas até quando poderei tocar em Ti? Ele fecha os olhos, suas pálpebras escurecem: daqui há pouco, Lázaro, não nos veremos mais. Ajoelho-me, agarro-me aos seus pés, ouço a minha voz convulsionada : tenho medo, tenho medo de não agüentar o que resta sem a Tua presença. Quero estar sempre onde Tu estiveres, quero Te amar até morrer de novo, quero sentir tudo o que Tu sentires, compreendes? (...) E se for mais difícil do que tudo o que imaginas ? Mais difícil, irmão Jesus, é não ter toda a sua dor cravada em mim
(...).
Há um homem diferente no pátio. Vê-se que ele ama Jesus mais do que a si mesmo. O amor desse homem é diferente do meu amor : é um amor de mandíbulas cerradas, de olhar oblíquo, de desespero escuro. (...) Por favor, é preciso que me compreendam. Esse amor de Judas, o Iscariote, não é um amor ideal porque é ciumento e agressivo (...) e o olhar que lança ao redor é um olhar que diz : o meu amor é mais forte, é mais sangue, vocês não O possuirão.
(.........)
Lázaro meu filhinho, o Jesus de quem falas está morto há muito tempo, e para os homens de agora nunca ressuscitou, nem está em lugar algum. Não te aborreças mais, sabemos que Ele nunca existiu. Ele foi apenas uma idéia muito louvável (...) essa imagem poderia crescer de tal forma que aplacaria definitivamente a fera dentro do homem. Mas não deu certo. Pelo contrário. (...) Os homens não têm consolo algum, lutam para dar alimento, roupa, e algumas alegrias aos seus filhos e a si próprios. Não há nada além disso. (...) Oh, como havia primavera na minha alma quando o Teu rosto existia sobre o rosto dos homens. Entra na cela, filho, entra! Agora deita-te, assim. (...) olha, Lázaro, nós, os monges, estamos aqui, mas somos o único convento sobre a terra, compreendeste ? O único. E também não acreditamos mais no Cristo, apenas não temos para onde ir, já somos muito velhos... ah ! já sei , olhas o crucifixo na parede, não é ? E estás pensando porque não tiramos os crucifixos das paredes (...)? É muito simples, Lázaro (...): são muitos crucifixos, não temos um depósito para os colocar, entendeste ?
(...)
E agora, Lázaro, não se ouve mais o nome de Jesus, e o símbolo da cruz é símbolo de ameaça. Estas dormindo, Lázaro ? Dorme, dorme. Também vou dormir. O mundo inteiro dorme. E não te aborreças, mas.... além de sabermos que o teu Jesus nunca existiu, sabemos também que Deus ... Oh, oh sabemos.... Deus, Lázaro, Deus agora a grande massa informe, a grande massa movediça, a grande massa sem lucidez. Dorme bem, filhinho.
Lázaro grita. Um grito avassalador. Um rugido. Arregala os olhos e vê Marta. Ela está de pé, junto à cama. As duas mãos sobre a boca.