segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

As sereias

BRONZE AO LADO DE OURO OUVIU O soar de aço dos ferrados cascos.
Impertninte tninte.
Lascas, arrancando lascas da unha rochosa do polegar, lascas.
Horrendo! E ouro corou ainda mais.
Uma nota rouca de pífaro soou.
Soou. Brumoso Bloom no.
Cabelo-de-ouro em pináculo.
Uma rosa saltitante em seio acetinado de cetim, rosa de Castela.
Trinando, trinando: Idolores.
Pipilo! Quem está no ... pipilodeouro?
Retinido bradou para bronze com pena.
E um chamado, puro, longo e pulsante. Chamado longoagonizante.
Chamariz. Palavra suave. Mas veja : as estrelas brilhantes empalidecem. Notas respondem chilreando.
Ó rosa! Castela. A manhã está despontando.
Uma moeda ressoou. Um relógio estalou.
Confissão : Sonnez.Eu poderia. Ricochete de liga. Não te deixar. Estalo. La cloche Estalo de coxa. Confissão. Quente.
Meu amor, adeus !

domingo, 14 de novembro de 2010

Cila e Caribde

- Eu lhe mostrei o livro de Jubainville. Ele tem a maior admiração, sabe, pelas Canções de Amor de Connacht de Hyde . (...) Ele foi a Gill para comprá-lo.

Corra, pule meu livrinho, rápido
Para saudar esse público ingrato,
Escrito contra meus desejos, eu acho,
Em inglês enxuto e prosaico.

(...)
- As pessoas não sabem como as canções de amor podem ser perigosas - preveniu ocultamente o ovo áurico de Russel. – Os movimentos que operam revoluções no mundo nascem de sonhos e visões no coração de um camponês na encosta da colina. Para eles a terra não é um solo explorável mas a mãe viva. O ar rarefeito da academia e a arena produz a mais fina flor da corrupção em Mallarmé mas a vida desejável é revelada apenas aos pobres de espírito , a vida dos feácios de Homero.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Rimas e Razões

Boca, soca. Será que a boca soca de uma certa maneira ? Ou o que soca é boca ? Deve haver algo. Soca, toca, foca, roca, doca. Rimas : dois homens vestidos igualmente, parecendo iguais, dois a dois.

... la tua pace
... che parlar ti piace
Mentre che il vento, come fa, si tace.


Ele as viu se aproximando de três em três, moças de verde, de rosa, de castanho avermelhado, enlaçadas, per l´aer perso, de malva, de púrpura , quella pacifica oriafiamma, ouro de oriflama, di rimirar fè piu ardenti . Mas eu homens velhos , penitentes, pésdechumbo, soboescuroabaixo a noite: boca soca: centre ventre.

- Defenda-se- disse o Sr. O´Madden Burke.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Que ferventes desejos por braços peludos e farfalhas na voz
de falso jacoube! Oh, como cá cá comemorreu
pó o pai das fornicações mas, (Ó cintilantes estrelminhas,
corpo meu! Como celestaltosplendeu o irissigno de doce prenúncio!
É assim, Isolda? Teus olhos chispam certeiros ? Carvelhos alderabantes
outrora dormem agora em fofadubo, mas olmos brotam em leito de cinzas.
Phallofalha se queres, reviver é que deves: e nunca tão cedo cessará
a pharsa em nada sem que cíclica revenha fenixfinda.

sábado, 28 de agosto de 2010

Proteu

" Caminhando pela praia, Stephen luta, em sua mente, com o problema da mudança da face do mundo , em relação à realidade que se esconde por detrás dela (...) "


Brancas as tuas mãos, rubra a tua boca
O teu corpo é tão belo e tão delicado.
Deita e dorme então comigo.
No beijo da noite, no abraço apertado.

(...) antes da queda Adão copulava mas não gozava. Deixe ele então gritar : teu corpo é tão delicado. Linguagem nem um pouquinho pior do que a dele. Palavras de monge, contas-de-rosário que tagarelam sobre suas cinturas: palavrasenganadoras, pepitas duras tamborilam em seus bolsos .
(...)
Eu me desfaço desta minha sombra circunscrita, forma humana inelutável e a chamo de volta. Interminável, seria minha, forma de minha forma ? Quem me observa aqui ? Quem jamais em algum lugar lerá estas palavras escritas ? Sinais em um campo branco. Em algum lugar para alguém em sua voz a mais flautada.
(...)
Você acha minhas palavras obscuras ? A escuridão está em nossas almas, você não acha ?

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Adivinhe, adivinhe, adivinho!
Ganhei grãos prá semear do paizinho.

(...)

- Uma charada, senhor ? Pergunte a mim, senhor!
- É esta a charada : (...)

O galo cacarejou,
O céu azulou;
Sinos de bronze
Soaram onze.
A hora da pobre alma ir pro céu chegou.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Cap. 10 - O Paraíso Terrestre

Esse é o último capítulo de uma coletânea de quatro livros sobre mitologia comparada. Para mim representou mais que ciência, religião ou arte, a leitura é um ato de vida, reflexão e prazer e sinto-me grata a todos que acompanharam a aventura. Recomendo especialmente o cap. 8, O Paracleto – onde foi amplamente discutido o surgimento , o desenvolvimento e o declínio das Novelas de Cavalaria, a origem do Rei Artur e seus Cavaleiros da Távola Redonda. O conhecimento é naturalmente inesgotável, fonte de renovação e transcendência – e desdobra-se para além dos nomes e máscaras. A sabedoria é o silêncio.


II- Simbolização:
“ Esse som imperecível é o todo deste universo vísivel.
Tudo quanto tem acontecido, acontece e acontecerá”

A- O que veio a ser .... Consciência Desperta do mundo
U- O que está vindo a ser .... Consciência do Sonho e seu mundo
M- O que virá a ser ... Sono Profundo sem Sonhos.
O quarto elemento - SILÊNCIO ... Estado Absoluto.

(...)

Novamente, as palavras de Wittgenstein:
Proposição 6.44 “ O que é místico é que “o mundo exista” , não “como o mundo é.”
Proposição 6.522 “Existe no entanto o inexprimível . É o que se revela, é o místico.”

(...)

O símbolo mítico toca e une na realidade de uma pessoa toda a dimensão de sua vida presente : o mistério último de sua existência e do espetáculo de seu mundo, a ordem de seus instintos, de seus sonhos e de seus pensamentos. E atualmente de forma imediata.
(...)
Diego de Estella, místico espanhol- (1524-1578)
“ Ó fogo agradável! As chamas de teu amor sagrado na tua mais sagrada paixão sobem para o alto. Teus tormentos e aflições são a lenha que faz arder esse fogo sagrado”.
(...)
Nada há hoje que persista. Os mitos conhecidos não podem persistir, o Deus conhecido não pode persistir (...) todas as normas estão em constante transformação, de modo que o indivíduo é jogado de volta para si mesmo, para a esfera interior do seu próprio vir a ser, sua aventura na floresta sem caminho ou trilha a fim de chegar por meio de sua própria integridade e coragem na experiência, no amor, na lealdade e na ação.
(...)
A zona mitológica é o coração do indivíduo.
(...)
O guia interior será unicamente o seu coração nobre , e o guia exterior a imagem da beleza, a radiância da divindade que desperta em seu coração amor : semente mais profunda, secreta, de sua natureza consubstancial com o processo do Todo, do “assim é” .

domingo, 25 de julho de 2010

PARTE IV- O NOVO VINHO

CAP. 9- A MORTE DE DEUS

VI- Em direção a novas mitologias

1- O aspecto místico- metafísico

A primeira função de uma mitologia viva, a função propriamente religiosa, seguindo a definição de Rudolf Otto em O Sagrado, é despertar e manter no indivíduo uma experiência de espanto , humildade e respeito em reconhecimento daquele mistério último que transcende nomes e formas, “do qual”, conforme lemos nos Upanixades, “as palavras retornam junto com a mente sem ter alcançado o seu objetivo”. Eu diria que no mundo moderno, pelo menos fora das sinagogas e das igrejas, essa humildade foi recuperada; pois toda alegação de autoridade do Livro sobre o qual se basearam o orgulho racial, o orgulho comunitário, a ilusão de um dom singular, um privilégio especial e um favor divino foi destruída.

(...)

A fé nas Escrituras da Idade Média, a fé na razão do Iluminismo, a fé na ciência do filisteu moderno, pertencem hoje igualmente, apenas aqueles que ainda não fazem nenhuma idéia de quão misterioso, na realidade, é o próprio mistério do si mesmo.

“ Tudo é o mundo inteiro como a vontade à sua própria maneira.” (Schopenhauer)

(...)

Pois esse, na verdade, é o discernimento básico de todo discurso metafísico – cognoscível apenas a cada um - só quando os nomes e as formas , as Máscaras de Deus se dissolvem.

(...)

Quem, então, poderá falar a ti ou a mim do ser ou não ser de “Deus”, a não ser implicitamente para apontar algo que está além de suas palavras de si mesmo e de tudo o que ele sabe e pode dizer.

(...)

2- O aspecto cosmológico

Alguns diriam que o demônio vencera e que Fausto, preso nas garras de Satã, estava agora preparado para o extermínio por meio de sua própria ciência . Entretanto, ao que concerne ao AQUI E AGORA, (e meus amigos, continuamos aqui), a primeira função de uma mitologia , como vimos (...) – foi magistralmente cumprida por todas essas ciências da segunda função : a expressão de uma cosmologia, uma imagem desse universo estarrecedor, seja ele considerado em seu aspecto temporal, espacial, físico ou biológico. Não há mais, em nenhum lugar, qualquer certeza , qualquer rochedo sólido de autoridade, no qual os que temem enfrentar sozinhos o absolutamente desconhecido podem se acomodar, seguros no conhecimento de que eles e seus vizinhos estão em posse, de uma vez para sempre, da Verdade Encontrada.

4- A esfera psicológica

E assim somos inevitavelmente levados para a quarta esfera, a quarta função de uma mitologia, propriamente dita : a centralização e a harmonização do indivíduo.

(...)

Porque o homem, cada indivíduo entre nós, possui sua própria alma e por sua vez, terá que viver ou perecer por ela - não há caminho pelo qual as Utopias – ou o próprio Paraíso Perdido- possam ser trazidas do futuro e presenteadas ao homem. Tampouco podemos avançar em direção a tal destino.

Como no mundo do tempo, cada homem vive apenas uma vida, é nele mesmo que tem que procurar o Segredo do Jardim.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

PARTE II - A TERRA DESOLADA

Cap. VI- O Equilíbrio

I- Honra versus Amor


Na realização do seu desejo, o amante radical renuncia corajosamente ao mundo com seus valores de honra, justiça, lealdade, prudência. Para o cavaleiro e a sua dama do mundo , entretanto, a finalidade mística de pleno êxtase não é – e nunca foi – o ideal de uma vida nobre; e na França dos séculos XII e XIII nem sequer se aproximava do ideal de amor cortês.

Como assinalou uma das críticas mais argutas dessa literatura, Madame Myrrha Lot-Barodine : “Não foram os trovadores franceses que conceberam esse tipo de paixão ardente, cega e absoluta. A rajada de desordem que exala nos poemas de Tristão , dificilmente sugere a fragrância suave do delicado perfume da cortesia francesa, “


Assim sendo, parece mais do que apropriado voltar a olhar para a antiga lenda irlandesa da “marca do amor” de Diarmuid O´Duibhne. Porque é nela que aparecem os primeiros vestígios da fonte, não apenas da magia do amor e dos temas florestais, como também do ferimento causado pelo javali na coxa de Tristão e, portanto, de sua relação com o deus morto pelo javali e o rei-herói do antigo complexo megalítico do deus –porco: o filho, o consorte e amante, eternamente morrendo e ressuscitando, da rainha-deusa do Universo- Damuzi- Osíris- Adônis.

(...)

III- Ironia Erótica

Até aqui, muito bem; lemos e escutamos : o artista sempre se compadece um pouco de si mesmo, tem experiências dolorosas e responde com a seta da palavra, bem elaborada, bem dirigida. Porém, com que finalidade? Para matar?
O autor tem mais a dizer:

O intelectual, o homem de espírito tem a alternativa de trabalhar a partir do irônico ou do radical. (...) Decorre de qual das alegações pareça-lhe a definitiva, absoluta e decisiva : a da Vida ou a do Espírito (como Verdade). Para o radical , a Vida não é o argumento prioritário. Assim falam todas as formas de radicalismo (pereat mundus et vita!). Ao contrário, a fórmula da ironia diz : “É a Verdade prioritária - quando a questão é a Vida? “O radicalismo é niilismo. A disposição irônica é conservadora. Entretanto o conservadorismo só é irônico quando não representa a voz da vida falando por si mesma, porém a voz do espírito falando pela vida.

Aqui é Eros que se apresenta, o amor definido como “a afirmação de um indivíduo, independente de seu valor”. Ora, essa não é uma afirmação muito espiritual nem muito moral e, de fato, a afirmação da vida pelo espírito também é pouco moral. É irônica. Eros sempre foi irônico. A ironia é erótica.

E é isso que torna a arte tão digna de nosso amor e merecedora de nossa prática, essa maravilhosa contradição, que é- ou, ao menos, pode ser- simultaneamente um repouso e uma crítica, uma celebração e uma recompensa da vida por sua gratificante imitação e, ao mesmo tempo, uma aniquilação moralmente crítica da vida cujo efeito é o despertar do prazer e da consciência no mesmo grau (...) que seja ao mesmo tempo conservadora e radical; isto é, de seu lugar mediato e mediador entre o espírito e a vida. Que é a fonte de onde nasce a própria ironia.
(Thomas Mann)


VIII- A ferida de Amfortas

Nas palavras do grande orientalista, o Professor Hans Heinrich Schaeder (1896-1957):
“(...) O exercício do poder é regido sempre pela lei da intensificação, pela ganância desmedida. Não tem moderação; a medida somente chega do exterior, de forças contrárias que o restringem . A história é , portanto, a interação do poder- seu estabelecimento, sustentação e desenvolvimento-, de um lado , e essas forças opostas, de outro. Estas receberam nomes distintos, sendo o mais simples e inclusivo : amor.

A Terra Desolada, podemos dizer então, é qualquer mundo em que a Força e não o Amor , a doutrinação e não a educação, a autoridade e não a experiência, prevalecem na organização das vidas, e onde os mitos e ritos observados e aceitos não guardam, portanto, nenhuma relação com as verdadeiras experiências, necessidades e potencialidades interiores daquele que os aceitam."

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Cap. 3- A Palavra por detrás das palavras


III- A herança celto germânica

O saber nativo norte europeu que nos séculos XII e XIII tornou-se (...) a principal inspiração da idade de ouro do romance cortesão. Influências clássicas, bem como islâmicas e cristãs haviam sido detectadas nas lendas.
(...)
Por talvez a revelação mais sugestiva de (...) "cultura altamente cosmopolita " das antigas cortes germânicas é a que pode ser vista na surpreendente descoberta do navio- sepultura Sutton Hoo, (...) na região do Rio Deben (650 a 670).
(...)
O primeiro nome conhecido na história da literatura inglesa pertence a data do sepultamento do navio , ou seja, o do virtuoso poeta Caedmon (...) importante por ter aplicado as técnicas de versificação germânica tradicional (...) Seguido por um desconhecido poeta chamado Beowulf, que cantava no mesmo estilo germânico, para a aristocracia. Beda, o Pai da História Inglesa, estava escrevendo a sua (...) " melhor história escrita por um inglês, antes do século XVII".
Mas em Beda há sinais de influência oriental, (...) penetrou na tradição do Islã, (...), há influência do pensamento islâmico sobre Dante) . Assim, Beowulf é o produto de uma época de tradições já mescladas. O próprio nome Beowulf, "bee-wolf", aparentemente significando urso, sugere afinidades com uma figura de prodigiosa força, (...) o Filho do Urso , cujas manifestações , tanto na América do Norte quanto na Eurásia, apontam para uma origem naquele culto primordial de reverência ao urso (...) que pode ainda ser observado entre os ainos, no Japão.

 
Um segundo animal reconhecido, mitologicamente, que aparece no contexto lendário celto-germânico da Europa, é o porco, o javali, aquele cujos dentes causaram a morte de Adonis e uma ferida na coxa de Ulisses. (...)
Entretanto, enquanto a difusão do tema do Filho do Urso sugere uma ordem circumpolar ártica e uma origem (...) nos cultos e santuários do urso da caverna do Paleolítico, as tradições do porco-javali e do deus morto-ressuscitado são do posterior complexo cultural agrícola do " mediterrâneo" , que chegou à Irlanda pela rota marítima de Gibraltar, por volta de 2500 aC, e que na Inglaterra está representado no grande círculo de Stonehenge (c.1900- 1440 a.C), atribuído no folclore popular à magia do druida Merlin.
Os celtas, como os germânicos, eram árias patriarcais; entretanto, com seu movimento para o oeste até a Gália e as Ilhas Britânicas, (...) eles entraram na esfera da Grande Deusa da Idade do Bronze e de seu filho morto e ressuscitado .
(...)
Tristão, assim como Ulisses, tinha a cicatriz de uma mordida de javali na coxa, e como que insistindo na relação desse tema de amor e morte- com o antigo tema do deus cujo o animal é o javali ; há uma surpreendente passagem da versão de Gottfried (...) , em que Marjadoc - que nutria ele próprio uma paixão por Isolda- sonhou com Tristão, louco de amor, transfigurado em um javali agressivo violando o leito do rei :
Quando Marjadoc dormia, viu um javali horrível e espantoso, vir correndo do bosque. Espumando, com os olhos chamejantes, afiando suas presas e arremessando –se contra o que encontrava em seu caminho, dirigia-se para a corte do rei. Uma multidão de criados do palácio o perseguiu e muitos cavaleiros tentaram cercá-lo.(...) e ao chegar ao quarto do rei, lançou-se porta adentro. Revirou a cama designada ao rei em todas as direções , sujando o leito real e os lençóis com sua espuma. E apesar de todos os súditos do rei terem testemunhado o acontecimento, nenhum deles o impediu.

domingo, 16 de maio de 2010

CAPITULO 2 – O MUNDO TRANSFORMADO

I)- A VIA DO AMOR NOBRE

Um homem, uma mulher,uma mulher, um homem
Tristão Isolda, Isolda Tristão.

“Quanto mais se aviva o fogo da chama do amor” – escreveu o poeta Gottfried , “mais imperativo é o desvario de quem ama. Mas esse sofrimento é tão pleno de amor, essa ansiedade tão encorajadora, que nenhum coração nobre a dispensaria depois de ter sido assim encorajado.”

“ Tenho tanta certeza disso quanto a da minha morte”- (ele escreve) – “ pois aprendi com a própria aflição : o amante nobre ama histórias de amor. Qualquer um que anseie por tais histórias não precisa ir longe, pois eu lhes contarei histórias de amantes nobres que deram provas de puro amor : ele apaixonado, ela apaixonada.”

(...)

O herói céltico , movido por uma graça natural infalível, segue sem medo os impulsos de seu coração . E embora esses possam prometer apenas sofrimento e dor, perigo e desastre- quando seguidos espontaneamente eles são (...) sentidos como oferecendo à existência , se não a luz da vida eterna, ao menos integridade e verdade.

(...)

E para tornar evidente que reconhecia esse grave desafio, o poeta descreveu a gruta do amor, onde os amantes se refugiam do matrimônio sacramentado, como uma capela no coração da natureza :

A gruta fora escavada em tempos pagãos na montanha erma. Ali eles tinham o hábito de se esconder quando desejavam privacidade para fazer amor. Na verdade, onde quer que essa tal gruta fosse encontrada, ela era fechada como uma porta de bronze, e consagrada ao amor, com a inscrição : “ – a gruta para pessoas apaixonadas”.

(...)

Gottfried explica em detalhes a alegoria dessas formas :

O interior circular é Simplicidade no Amor, porque a Simplicidade é o que mais convém para o amor, que não pode suportar quaisquer arestas. No Amor, a malícia e a astúcia são as arestas. A amplitude é o Poder do Amor. É infinito. A altura significa Aspiração, que se eleve em direção às nuvens (...)

As parede da gruta é branca, lisa e reta: a essência da Integridade. Seu brilho uniformemente branco, jamais pode ser colorido; como tampouco qualquer tipo de Suspeita deve ser capaz de encontrar ali abrigo. O piso de mármore é a Constância, em seu verdor e dureza, (...) O leito cristalino do Amor nobre , no centro, foi devidamente consagrado ao nome da Deusa e o artesão, que entalhou o cristal, reconhecera a sua finalidade: Porque o Amor, de fato, deve ser cristalino, transparente e translúcido.

Dentro da gruta, travando a porta de bronze, havia duas barras; e também uma aldrava interna, engenhosamente colocada na parede- exatamente onde Tristão a encontrara. Uma pequena alavanca a controlava, que passava de fora para dentro e a movia de um lado para outro. Além disso, não havia nem fechadura nem chave; e vou dizer-lhes por que.

Não havia fechadura porque qualquer mecanismo que fosse colocado do lado de fora da porta, para fazê-la abrir ou fechar, significaria Traição. Porque, se alguém entra pela porta do Amor quando não foi admitido de dentro, isso não pode ser considerado Amor : é Engodo ou Violência. A porta do Amor está ali- porta do Amor de bronze- para impedir a entrada de qualquer um que não seja por Amor ; e ela é de bronze para que não possibilite a entrada de alguém por nenhum artifício, seja por meio da violência ou da força, esperteza ou perícia , traição ou mentiras. Além do mais, as duas barras , as duas barras no interior, os dois selos do Amor, estão voltados um para a outra. Uma é de cedro , a outra é de marfim. E agora sabereis o seu significado.


A barra de cedro indica a Compreensão e a Razão do Amor ; o marfim, a sua Modéstia e Pureza. E esses dois selos, essas duas barras castas, guardam a morada do Amor a salvo da Traição e da Violência.

A pequena alavanca secreta colocada na aldrava a partir fora, era uma maneta de estanho, e a aldrava- como deve ser- de ouro. A aldrava e a alavanca, isto e aquilo: tampouco poderiam ser mais bem escolhidas por suas qualidades. Porque o estanho é Esforço Suave em relação a uma esperança secreta, enquanto o ouro é a Consumação. Cada um pode dirigir seu próprio esforço de acordo com a sua vontade : de maneira limitada ou ampla, resumida ou extensamente, de maneira liberal ou estrita, de todas as maneiras possíveis. Mas se alguém então, com a devida suavidade, considerar a natureza do Amor, sua alavanca de estanho, essa coisa humilde, o levará ao sucesso dourado e, depois, a aventuras prazerosas.


E agora, aquelas pequenas janelas no alto da gruta, habilmente escavadas diretamente na rocha, permitiam entrar o brilho do sol. A primeira é a Cordialidade, a segunda a Humildade e a última a Distinção; e através das três , sorria a luz suave daquele esplendor abençoado, a Honra, que de todas as luzes é a que melhor ilumina nossa gruta de aventura terrena.


E finalmente, é também significativo que a gruta esteja isolada num ermo. A interpretação deve ser que as oportunidades de Amor não se encontram nas ruas nem em campos abertos. Ela oculta-se em espaços selvagens. E o caminho até o seu refúgio é penoso e austero. Por todas as partes há montanhas, com muitos desvios, aqui e ali. As trilhas sobem e descem. As rochas nos martirizam, obstruindo o caminho . Não importa o quanto nos mantemos na trilha certa, se errarmos um único passo, jamais saberemos regressar. Mas quem tiver a boa sorte de penetrar naquele ermo, obterá ditosa recompensa. Pois encontrará ali, deleites para o seu coração. O ermo está abarrotado de tudo o que o seu ouvido deseja ouvir e do que agrada a sua vista; de maneira que ninguém desejaria estar em outro lugar. E isso eu sei muito bem, pois já estive lá. As pequenas janelas pelas quais o sol penetra, enviaram com frequência seus raios ao meu coração.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

4- Montanhas Eternas

“por amor ao mundo e para conformar os corações nobres, àqueles a quem eu prezo e aos que o meu coração sente-se atraído. Não estou me referindo ao mundo comum daqueles que (como ouvi dizer) são incapazes de suportar o sofrimento e desejam apenas viver da graça. (que Deus os permita viver na graça!) Desse mundo e do modo de vida destes, a minha história não trata : a vida deles e a minha estão distantes. É outro o mundo que tenho em mente, ele comporta num mesmo coração sua doçura amarga, seu precioso sofrimento, seu prazer espiritual, e sua dor anelante, sua vida grata e sua morte. É a esse mundo que desejo pertencer, para ser condenado ou para ser salvo por ele.” (Tristão – Gottfried von Strassburg, 1210).

(...)

há uma a acentuada linha de ascendência do Tristão de Gottfried até James Joyce (1882- 1941) e Thomas Man (1875- 1955), marcando em ritmo compassado , as mesmas etapas, data por data :

- 1903- Thomas Man

-1916- Um retrato do artista quando jovem- James Joyce

(tratam da separação de um jovem do contexto social de seu nascimento para buscar um destino pessoal , (...) cada qual resolvendo o seu dilema em um momento de intuição inspiradora

- 1922- Ulisses, James Joyce

-1924- A montanha mágica

(dois relatos de busca de um princípio fundamental revelador da existência em meio a uma mistura de critérios da civilização moderna.)

(...) porém não vou antecipar aqui as aventuras dessas páginas, alem de apontar que nos deteremos sobre o mistério do momento de arrebatamento estético , quando a possibilidade de uma vida como aventura abre-se a mente (...) depois o processo de criação de certos mestres , dedicados ao mesmo continuum de temas do nosso passado mais antigo e obscuro que, muito recentemente , foi posto a ferver no caldeirão de Finnegans Wake.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

As Máscaras de Deus

MITOLOGIA CRIATIVA (VOLUME 4)


PARTE I- A ANTIGA VIDEIRA

Cap. I- Experiência e autoridade

1)- Simbolização criativa

Nos volumes anteriores deste estudo sobre as transformações históricas daquelas formas imaginárias que chamo de “máscaras” de Deus (...) os mitos e ritos dos antigos mundos primitivo, oriental e ocidental (...)

(...) em nossa cultura ocidental recente (metade do sec. XII) uma crescente desintegração vem desmantelando a tradição ortodoxa (...). Com seu declínio irromperam as forças criativas liberadas por um grande grupo de destacados indivíduos, de maneira que (...) uma galáxia de mitologias (...).

(...) um tipo totalmente novo de revelação não-teológica, de grande alcance, profundidade e infinita variedade tornou-se o verdadeiro guia espiritual e força estruturante de uma civilização.

No contexto de uma mitologia tradicional os símbolos apresentam-se em ritos socialmente preservados (...) No que chamo “mitologia criativa” – essa ordem se inverte. O indivíduo tem uma experiência própria- de ordem, horror, beleza- que procura transmitir mediante sinais; e se sua vivência teve alguma profundidade e significado , sua comunicação terá o valor e a força de um mito vivo.

A primeira função da mitologia é reconciliar nossa consciência que desperta com o mysterium tremendum et fascinans deste Universo como ele é. A segunda é apresentar uma imagem interpretativa total do mesmo (...) é a revelação para a consciência dos poderes da sua própria fonte mantenedora. A terceira função, entretanto, é a imposição de uma ordem moral (...). A quarta função (mais crítica e vital) é auxiliar o indivíduo a encontrar seu centro e desenvolver-se integralmente em consonância (...) consigo, cultura, Universo e com aquele terrível e último mistério que está tanto fora, como dentro de si mesmo e de todas as coisas.

A mitologia criativa (...) “para mostrar à virtude a sua própria expressão; ao ridículo a sua própria imagem e a cada época e geração a sua própria esfígie. (...) provém da intuição sentimentos, pensamentos e visão de um indivíduo leal à sua própria experiência e valores. Dessa maneira ela reorienta a autoridade mantendo as formas que produziram e deixaram para trás vidas já vividas. Renovando o ato da própria experiência, resgata para a existência a qualidade de aventura, a uma só vez , descobrindo e reintegrando o estabelecido, o já conhecido, no fogo criativo desse algo em gestação constante, que não é senão a vida, (...) mas como ela é , em profundidade, em processo aqui e agora, dentro e fora.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

O mar respira

 Ainda era plena a infância 
 em que  pressentia a desventura,
 a importância  da respiração .
Aquelas crianças são muitas:
são mulheres, são pássaros
(são bruxas),
foram galhos da mesma raiz
da minha história.

Com seu olhar de retrato
e as roupas de criança,
trançando passado e futuro,
desenharam o jardim
das improváveis memórias.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Aqui não se fazem memórias: aqui se trama a arte. Esta não é apenas a minha voz, mas a de muitas águas. Aqui não se organiza simplesmente um livro: aqui se fala de encantamentos. Quem não os aprecia, não deve me ler.

segunda-feira, 8 de março de 2010


Hoje à tarde nos encontraremos. E não te falarei sequer nisso que escrevo e que contém o que sou e que te dou de presente sem que o leias. Nunca lerás o que escrevo. E quando eu tiver anotado o meu segredo de ser – jogarei fora como se fosse ao mar. Escrevo-te porque não chegas a aceitar o que sou. Quando destruir minhas anotações de instantes, voltarei para o meu nada de onde tirei um tudo ? Tem que pagar o preço de quem tem um passado que só se renova com paixão no estranho presente. Quando penso no que já vivi me parece que fui deixando meus corpos pelos caminhos.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Diálogo literário


Para Donato, com amor.
- " A única salvação e derrota de Si é o Outro"


O encontro é um acontecimento sincrônico e ressonante : agendei um equívoco, fiquei vago. somente eu e uma lacuna (...)   a intuição  encontrou  um   foco  e  trouxe  Clarice :
 -"  Para ser (ato falho)vou ler ".

 Título : AGUA VIVA ( achado nos fundos da estante antiga : a glória estava ali!)

Página zero :

"Tinha que existir uma pintura totalmente livre da dependência da figura- o objeto – que, como a música, não ilustra coisa alguma, não conta uma história e não lança um mito. Tal pintura contenta-se em evocar os reinos incomunicáveis do espírito, onde o sonho se torna pensamento, onde o traço se torna existência".

 (Michel Seuphor)

Página 7

 (ela e eu)

É com aleluia tão profunda. É uma tal aleluia (adorá- la : a outra ). Aleluia, grito eu  aleluia que se funde com o mais escuro uivo humano da dor de separação mas é grito de felicidade diabólica. Porque ninguém me prende mais. Continuo com capacidade de raciocínio - (que grande coisa! ) – já estudei matemática que é loucura do raciocínio (me dei mal: enlouqueci ? ) – mas agora quero o plasma (uníssonas) – quero me alimentar diretamente da placenta. Tenho um pouco de medo (desejo) : medo (desejo) ainda de me entregar pois o próximo instante é desconhecido (misterioso- incerto - ingovernável ). O próximo instante  (a eternidade ) é feito por mim? Ou se faz sozinho? Fazemo-lo juntos com a respiração. E com uma desenvoltura de toureiro na arena. (olé!)

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Torci os dedos sob a manta escura...
“Por que tão pálida?” ele indaga.
-Porque eu o fiz beber tanta amargura
Que o deixei bêbado de mágoa.

Como esquecer ? Ele saiu, sem reação,
A boca retorcida, em agonia ...
Desci, correndo, sem tocar o corrimão,
E o encontrei no portão, quando saía.

“É tudo brincadeira, por favor,
Não parta, eu morro se você se for.”
E ele, com um sorriso frio, isento,
Me disse apenas: “Não fique ao relento.”

(Ana Akhmátova , 1911)
Tradução : Augusto de Campos

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

ISTCHÉRPIVAIUCHAIA CARTINA VIESNI

Listótchki.
Póslie strótchek lis-
tótchki.

(Maiakovski - 1913)

QUADRO COMPLETO DA PRIMAVERA

Folhinhas.
Linhas. Zibelinas só-
zinhas.

(Tradução de Augusto e Haroldo de Campos)

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010



- Mas nas suas viagens é impossível que você nunca tenha estado entre laranjeiras, sol e flores com abelhas. Não só o frio escuro mas também o resto ?

-Não, disse sombria. Essas coisas não são para mim. Sou mulher de cidade grande.

- (...) essas coisas são para todo mundo. É porque você não aprendeu a tê-las.

- E isso se aprende ? Laranjeiras, sol e abelhas nas flores ?

- Aprende-se quando já não se tem como guia forte a natureza de si próprio: (...) pode-se aprender tudo, inclusive a amar! E o mais estranho, pode-se aprender a ter alegria!

- Diga o que você quer que eu aprenda, disse ela com inesperada ironia. O Cântico dos Cânticos ?

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

UMA APRENDIZAGEM

OU O LIVRO DOS PRAZERES

A origem da Primavera
ou
A Morte Necessária em Pleno Dia

, (...)

Só que ela não queria ir de mãos vazias. E assim como se lhe levasse uma flor, ela escreveu num papel algumas palavras que lhe dessem prazer: “Existe um ser que mora dentro de mim como se fosse casa dele, e é. Trata-se de um cavalo preto lustroso que apesar de inteiramente selvagem- pois nunca morou antes em ninguém nem jamais lhe puseram rédeas nem sela- apesar de inteiramente selvagem tem por isso mesmo uma doçura primeira de quem não tem medo : come às vezes na minha mão. Seu focinho é úmido e fresco. Eu beijo o seu focinho. Quando eu morrer, o cavalo preto ficará sem casa e vai sofrer muito. (...) Aviso que ele não tem nome: basta chamá-lo e se acerta com seu nome. Ou não se acerta, uma vez chamado com doçura e autoridade, ele vai. Se ele fareja e sente que um corpo-casa é livre ele trota sem ruídos e vai. Aviso também que não se deve temer o seu relinchar: a gente se engana e pensa que é a gente mesma que está relinchando de prazer ou cólera, a gente se assusta com o excesso de doçura do que é isto pela primeira vez.
(...) ia gostar, ia pensar que o cavalo era ela própria. Era ?